Coisas atrás do sol

Nick Drake em 1967

Geralmente escrevo ouvindo música clássica, blues, ou meu quarteto preferido para essa atividade: Elliott Smith, Leonard Cohen, Madeleine Peyroux e Nick Drake.

Foi no começo dos anos 2000 que conheci o último desses quatro artistas citados, Nick Drake. Desde que faleceu, em 1974, cada vez mais, mais pessoas o conhecem e começam a admirá-lo e eu me sinto contente, em parte; o mundo estar cada vez mais gostando de um artista como ele significa que está ganhando mais sensibilidade, e isso é algo excelente de acontecer porque exprime aumento da empatia, por exemplo. E em um mundo em que, geralmente, o que dá mais dinheiro fica mais famoso – e isso não significa qualidade -, saber que alguém como ele foi finalmente reconhecido é uma alegria. Além disso, Nick Drake merece que o conheçam: é um artista com um talento indizível, uma voz tocante, canções belamente compostas e sensibilidade ímpar.

Digo que fico contente apenas em parte porque sinto que, como Van Gogh (sem comparar os dois – são diferentes), ele deveria ter sido reconhecido ainda em vida. Em Fruit Tree, do primeiro álbum Five Leaves Left (1969), Nick Drake compara a fama com uma árvore frutífera, que não pode dar frutos ou florescer até ter suas raízes suficientemente afundadas na terra – só saberão que você esteve aqui quando você tiver ido embora. Parece que ele estava prevendo o futuro com relação a si mesmo.

Nick Drake
Nick Drake

Quando as pessoas ouvem alguém como ele, elas atribuem a talento nato. Não era exatamente assim. Nick Drake era talentoso, sim, mas dedicava-se quase que obcecadamente a aprender os segredos do violão; como inveterado notívago, passava noites inteiras tocando, testando acordes e afinações, e compondo. Foi assim que três belos álbuns foram compostos: o já citado Five Leaves Left (1969); Bryter Layter (gravado em 1970 e lançado em 1971); e Pink Moon (1972). Time of No Reply foi um álbum lançado postumamente, em 1986, e contêm músicas que não entraram nos três primeiros álbuns. Outras compilações foram lançadas após essa, sem novidades, exceto por um documentário muito bonito intitulado A Skin Too Few (no fim do post há um vídeo com o documentário inteiro legendado).

Pink Moon faz cinquenta anos este ano. Para mim, é a sua obra prima. Foi gravado da meia-noite às duas da manhã, em duas noites. Na sala, apenas Nick Drake, o produtor John Wood e dois instrumentos: violão e piano. O piano seria usado apenas para a faixa-título. Nas outras faixas sente-se que a sala estava à meia-luz; sentado atrás de um microfone e com o violão no colo, o músico despia sua alma com as canções que havia feito nas suas noites de solidão. Quando ouço o álbum e imagino-o nessa cena, não vejo nada na sala: amplificadores, estantes de instrumentos, nem mesmo o vidro que separa a sala dos músicos dos produtores. Nick Drake, apenas, tocando suas canções do jeito que ele sabia fazer melhor.

Nick Drake em 1967
Nick Drake em 1967

Extremamente tímido, relutava em fazer shows, entrevistas e até mesmo fotos para a divulgação dos seus discos, e dizem que foi por essa razão que seus álbuns não deslancharam. E era um desejo dele que deslanchassem: largou Cambridge para tentar tornar-se cantor. Havia nele o desejo de ajudar as pessoas com a sua arte. O fato de seus álbuns não terem feito o sucesso que ele esperava e do produtor que o descobriu, Joe Boyd, ter se mudado para Los Angeles, deixando o pupilo sozinho em Londres, fez com que Nick Drake entrasse em depressão. Ele ainda lançaria sua obra-prima em 1972, mas a depressão foi ficando mais grave com o passar do tempo e ele reclusou-se na casa dos pais em Warwickshire. Cessava aí a sua carreira nesta vida.

Na época em que faleceu, Nick Drake estava em tratamento para a depressão e tomava um antidepressivo chamado amitriptilina. Em uma noite de 1974, teve uma overdose do medicamento. Ainda há controvérsias sobre o que realmente ocorreu; alguns optam por acreditar no suicídio, como a irmã do Nick Drake. Amigos do músico acham que não foi o que aconteceu.

Embora tivesse pouco contato com as pessoas, especialmente nas épocas em que estava compondo, Nick Drake escrevia muito sobre elas. Sobre seus amores perdidos, comportamentos e críticas do estilo de viver dos seres humanos, além da tentativa de ensinar sensibilidade através da percepção da beleza em volta de nós. O escrever sobre as pessoas com tanta propriedade e a sensibilidade que ele possuía corroboram, para mim, certo conhecimento profundo muito antigo que tinha; muito mais do que seus vinte e poucos anos. E era o que ele gostaria de deixar com a sua música; amigos e família dizem que ele sentia-se um fracasso por não conseguir ajudar as pessoas com a sua arte. Os bares cheios de pessoas bebendo e conversando não pareciam prestar atenção no que ele estava fazendo no palco; ele se levantou, certa vez, e deixou o show na sua metade. Passa-se energia positiva durante um show como o dele e, se as pessoas prestam atenção, elas a recebem. Nick Drake parecia saber disso. Havia muito o que sentir com a sua música.

Nick Drake, foto de A Skin Too Few (documentário)
Nick Drake, foto de A Skin Too Few (documentário)

Houve, em Five Leaves Left, uma tentativa de reproduzir o clima de Songs of Leonard Cohen, de dois anos antes, primeiro álbum do músico canadense. Ainda relacionando Nick Drake a outros artistas, Pink Moon é citado como tendo um álbum ‘irmão’ – Blue, a obra-prima de Joni Mitchell; e um álbum ‘filho’ – Either/Or, um dos melhores do Elliott Smith. John Cale, um dos fundadores do Velvet Underground, participou do Bryter Layter [Fly e a bela Northern Sky (abaixo)]. Diz-se que Robert Smith tirou o nome The Cure de uma frase de Time Has Told me – a troubled cure for a troubled mind. Renato Russo regravou Clothes of Sand para seu álbum The Stonewall Celebration Concert.

Não gosto de ler notícias sobre os artistas de quem gosto. Penso que a sua obra tem todas as respostas, caso eu as queira; não há nada tão preciso do que ler uma letra como Cello Song e receber uma clara indicação sobre como o músico era; seus desejos, maneira de ser, medos – então esqueça desse mundo cruel/ onde pertenço/ vou sentar, esperar e cantar minha canção/ e, se um dia me vir na multidão, me dê sua mão e me levante/ para onde você está, nas nuvens.

Cada um tem a sua história e a depressão, em especial, é um transtorno muito cruel, que rouba vontades simples, habilidades e sonhos; isola-nos a pontos extremos do meio social em que vivemos. Medicações podem ajudar muito, mas algumas têm muitos efeitos colaterais – às vezes a pessoa acaba tendo de escolher entre duas opções dolorosas. O isolamento pode ocorrer por culpa, mas também porque pode-se sentir a incompreensão da parte de amigos e família. Ter um transtorno mental pode gerar muito preconceito. Muitas vezes podemos ser o detalhe que fará diferença na vida de uma pessoa. O ideal é sempre sugerir a procura por um profissional de saúde mental. E compreender.

A chave para a compreensão é a empatia e quem nos traz essa característica é a sensibilidade. E foi isso que, acredito, Nick Drake nos deixou: uma lição admirável de sensibilidade.

Nick Drake em 1967
Nick Drake em 1967
TS


Comente!