Geralmente escrevo ouvindo música clássica, blues, ou meu quarteto preferido para essa atividade: Elliott Smith, Leonard Cohen, Madeleine Peyroux e Nick Drake.
Foi no começo dos anos 2000 que conheci o último desses quatro artistas citados, Nick Drake. Desde que faleceu, em 1974, cada vez mais, mais pessoas o conhecem e começam a admirá-lo e eu me sinto contente, em parte; o mundo estar cada vez mais gostando de um artista como ele significa que está ganhando mais sensibilidade, e isso é algo excelente de acontecer porque exprime aumento da empatia, por exemplo. E em um mundo em que, geralmente, o que dá mais dinheiro fica mais famoso – e isso não significa qualidade -, saber que alguém como ele foi finalmente reconhecido é uma alegria. Além disso, Nick Drake merece que o conheçam: é um artista com um talento indizível, uma voz tocante, canções belamente compostas e sensibilidade ímpar.
Digo que fico contente apenas em parte porque sinto que, como Van Gogh (sem comparar os dois – são diferentes), ele deveria ter sido reconhecido ainda em vida. Em Fruit Tree, do primeiro álbum Five Leaves Left (1969), Nick Drake compara a fama com uma árvore frutífera, que não pode dar frutos ou florescer até ter suas raízes suficientemente afundadas na terra – só saberão que você esteve aqui quando você tiver ido embora. Parece que ele estava prevendo o futuro com relação a si mesmo.
Quando as pessoas ouvem alguém como ele, elas atribuem a talento nato. Não era exatamente assim. Nick Drake era talentoso, sim, mas dedicava-se quase que obcecadamente a aprender os segredos do violão; como inveterado notívago, passava noites inteiras tocando, testando acordes e afinações, e compondo. Foi assim que três belos álbuns foram compostos: o já citado Five Leaves Left (1969); Bryter Layter (gravado em 1970 e lançado em 1971); e Pink Moon (1972). Time of No Reply foi um álbum lançado postumamente, em 1986, e contêm músicas que não entraram nos três primeiros álbuns. Outras compilações foram lançadas após essa, sem novidades, exceto por um documentário muito bonito intitulado A Skin Too Few (no fim do post há um vídeo com o documentário inteiro legendado).
Pink Moon faz cinquenta anos este ano. Para mim, é a sua obra prima. Foi gravado da meia-noite às duas da manhã, em duas noites. Na sala, apenas Nick Drake, o produtor John Wood e dois instrumentos: violão e piano. O piano seria usado apenas para a faixa-título. Nas outras faixas sente-se que a sala estava à meia-luz; sentado atrás de um microfone e com o violão no colo, o músico despia sua alma com as canções que havia feito nas suas noites de solidão. Quando ouço o álbum e imagino-o nessa cena, não vejo nada na sala: amplificadores, estantes de instrumentos, nem mesmo o vidro que separa a sala dos músicos dos produtores. Nick Drake, apenas, tocando suas canções do jeito que ele sabia fazer melhor.
Extremamente tímido, relutava em fazer shows, entrevistas e até mesmo fotos para a divulgação dos seus discos, e dizem que foi por essa razão que seus álbuns não deslancharam. E era um desejo dele que deslanchassem: largou Cambridge para tentar tornar-se cantor. Havia nele o desejo de ajudar as pessoas com a sua arte. O fato de seus álbuns não terem feito o sucesso que ele esperava e do produtor que o descobriu, Joe Boyd, ter se mudado para Los Angeles, deixando o pupilo sozinho em Londres, fez com que Nick Drake entrasse em depressão. Ele ainda lançaria sua obra-prima em 1972, mas a depressão foi ficando mais grave com o passar do tempo e ele reclusou-se na casa dos pais em Warwickshire. Cessava aí a sua carreira nesta vida.
Na época em que faleceu, Nick Drake estava em tratamento para a depressão e tomava um antidepressivo chamado amitriptilina. Em uma noite de 1974, teve uma overdose do medicamento. Ainda há controvérsias sobre o que realmente ocorreu; alguns optam por acreditar no suicídio, como a irmã do Nick Drake. Amigos do músico acham que não foi o que aconteceu.
Embora tivesse pouco contato com as pessoas, especialmente nas épocas em que estava compondo, Nick Drake escrevia muito sobre elas. Sobre seus amores perdidos, comportamentos e críticas do estilo de viver dos seres humanos, além da tentativa de ensinar sensibilidade através da percepção da beleza em volta de nós. O escrever sobre as pessoas com tanta propriedade e a sensibilidade que ele possuía corroboram, para mim, certo conhecimento profundo muito antigo que tinha; muito mais do que seus vinte e poucos anos. E era o que ele gostaria de deixar com a sua música; amigos e família dizem que ele sentia-se um fracasso por não conseguir ajudar as pessoas com a sua arte. Os bares cheios de pessoas bebendo e conversando não pareciam prestar atenção no que ele estava fazendo no palco; ele se levantou, certa vez, e deixou o show na sua metade. Passa-se energia positiva durante um show como o dele e, se as pessoas prestam atenção, elas a recebem. Nick Drake parecia saber disso. Havia muito o que sentir com a sua música.
Houve, em Five Leaves Left, uma tentativa de reproduzir o clima de Songs of Leonard Cohen, de dois anos antes, primeiro álbum do músico canadense. Ainda relacionando Nick Drake a outros artistas, Pink Moon é citado como tendo um álbum ‘irmão’ – Blue, a obra-prima de Joni Mitchell; e um álbum ‘filho’ – Either/Or, um dos melhores do Elliott Smith. John Cale, um dos fundadores do Velvet Underground, participou do Bryter Layter [Fly e a bela Northern Sky (abaixo)]. Diz-se que Robert Smith tirou o nome The Cure de uma frase de Time Has Told me – a troubled cure for a troubled mind. Renato Russo regravou Clothes of Sand para seu álbum The Stonewall Celebration Concert.
Não gosto de ler notícias sobre os artistas de quem gosto. Penso que a sua obra tem todas as respostas, caso eu as queira; não há nada tão preciso do que ler uma letra como Cello Song e receber uma clara indicação sobre como o músico era; seus desejos, maneira de ser, medos – então esqueça desse mundo cruel/ onde pertenço/ vou sentar, esperar e cantar minha canção/ e, se um dia me vir na multidão, me dê sua mão e me levante/ para onde você está, nas nuvens.
Cada um tem a sua história e a depressão, em especial, é um transtorno muito cruel, que rouba vontades simples, habilidades e sonhos; isola-nos a pontos extremos do meio social em que vivemos. Medicações podem ajudar muito, mas algumas têm muitos efeitos colaterais – às vezes a pessoa acaba tendo de escolher entre duas opções dolorosas. O isolamento pode ocorrer por culpa, mas também porque pode-se sentir a incompreensão da parte de amigos e família. Ter um transtorno mental pode gerar muito preconceito. Muitas vezes podemos ser o detalhe que fará diferença na vida de uma pessoa. O ideal é sempre sugerir a procura por um profissional de saúde mental. E compreender.
A chave para a compreensão é a empatia e quem nos traz essa característica é a sensibilidade. E foi isso que, acredito, Nick Drake nos deixou: uma lição admirável de sensibilidade.