A gentileza do vento

A gentileza do vento (foto por Eleonora Patricola)

 A água do mar respingava sobre as suas pernas. Noite caía, havia uma fina camada de fogo no céu entre grandes blocos de nuvens acinzentadas.

‘Não há mais gentilezas’, pensava.

Ofereci a flor das minhas mãos e um sorriso à mãe que passava com seu filho infante e, desconfiada, a mulher apenas apertou o passo. Eu sorri. Meus lábios curvaram-se para cima e meus olhos sorriram também.

A rosa estava perdida na areia, de forma que assoprei forte a fim de que ela recuperasse sua brancura natural. Voltara a ser flor, a rosa. Meu gesto foi uma ofensa asquerosa que apenas percebi quando o olhar incomodado da mãe me fitou.

O menino quis agarrar a flor. A mulher puxou-o pelo braço, e a mãozinha dele perdeu-se no ar, pois não a alcancei.

‘Não há mais gentileza’, pensei.

Achei a música bonita. A imagem que ela me trouxe também. Disse isso, e disse mais: ‘muito agradecida’. Que o meu coração aquentou-se até que eu me sentisse aconchegada. Não sei se era importante que eu desse a minha opinião, mas talvez o sorriso que surgiu do rosto enrubescido tenha me respondido a questão.

‘As gentilezas estão indo embora’. Certo egoísmo surge porque quer-se sentir antes do sentir do outro. Mostrar a importância do outro desde que primeiro venha-se a própria. Quer-se ser alguém antes do outro transformar-se.

O vento não traz mais o cheiro do mar… As montanhas nas laterais o bloqueiam, e elas nasceram ontem. Eu senti um dia antes que o perfume era de renovação, e agarrei com as mãos essa novidade. Passeei pela orla com navios gigantes à vista, embarcações com buzinas barulhentas cortando o som do mar.

Um navio cortava a alta maré. A onda que vinha em minha direção era colossal, ninguém poderia fugir. Agarrei a rosa e a apertei contra o peito.

Não me afoguei. A onda quebrou-se sobre mim e eu me transformei no mar. A gentileza do vento tornara-se minha façanha. E agora eu existia em forma de oceano.

TS


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