Blog é uma palavra derivada de ‘weblog’ – americanos chamam cada registro dos seus dias nas páginas dos seus diários de ‘log’, e ‘weblog’ vem desse fato. Quando os weblogs apareceram por aqui, em 2001 ou 2002, a internet no Brasil era uma criança de oito ou nove anos, e a proposta original do weblog era ser exatamente um diário on-line.
Vinte anos depois, ‘blog’ deixou de ser uma simples abreviação e ganhou sua própria definição no dicionário de termos digitais – não tem mais a alcunha de ‘diário on-line’; seu propósito se transformou. Como uma revista profissional, assuntos diversos são abordados de forma mais direcionada. Ser ‘blogueiro’ (‘criador de conteúdo digital’, agora) é profissão.
O que eu vi quando os blogs foram criados foi que, quem descobriu os blogs, primeiramente, aqui no Brasil, foram os escritores. Na época, havia um grupo deles cujos blogs eu lia muito. Nenhuma daquelas pessoas havia lançado um livro. Mas elas escreviam com a qualidade de quem, famoso ou famosa, havia lançado várias publicações. Essas eram pessoas comuns que, como eu, gostavam de escrever histórias, poemas e crônicas. Que emocionavam com o que escreviam; o coração passava pelo cérebro e ia até as telas de computador assim como acontecia com Virginia Woolf ou García Márquez nas suas folhas de papel.
Eu já havia começado uns três livros (nunca os terminei, mas começar era sempre um bom exercício) e comecei a pensar que fazer um blog era, de certa forma, como escrever um livro, porque as pessoas leriam aquelas ‘páginas’ e teriam, como em um livro, a possibilidade de sentir profundamente. E compartilhar comigo o que elas haviam sentido. E quando se tem um coração aveludado e percebe-se que há também quem o tenha, sente-se que existe a possibilidade de outros lhe entenderem. Estava em uma idade em que estava conhecendo o mundo e era-me imprescindível que ele parecesse menos hostil.
‘Eu deveria fazer um blog’, disse então à mim mesma – é como o caderno que tinha em casa, de espiral azul escuro, capa dura, branca, e flores coloridas de tons que eu gostava muito. E havia uma parte positiva: não precisaria lidar com a minha caligrafia aberrante.
Foi nesse cenário que o Otterley nasceu, perto do meu aniversário, em 23 de agosto de 2002 (hooray para os arquivos). Exatamente vinte invernos trás.
(Em tempo – ‘Otterley’ é o nome de um deus da tradição celta, mas o título do blog veio mesmo da música homônima, climática e sussurada do Cocteau Twins, do excelente álbum Treasure, de 1984:)
Não pensei no fator ‘público’ do blog – não o teria criado se tivesse pensado, pela minha natureza mais discreta -, mas acabou sendo muito gratificante compartilhar o que eu escrevia com pessoas que gostavam de ler, cujos blogs eu também admirava. Pessoas que, como eu, estavam descobrindo que o vizinho que a gente via todos os dias de manhãzinha indo trabalhar de jaqueta azul e óculos de grau podia ser um grande escritor.
Muitos anos atrás, realizei uma grande ‘faxina’ no blog. Depois de vinte anos, muitos escritos não diziam-me mais nada, e eu queria transformar o blog em um lugar apenas com literatura. Preservei alguns posts por respeito ao que senti nas épocas em que eles foram escritos. Especialmente os textos cujos momentos em que foram escritos eu me recordei.
Depois de postar o texto mais recente aqui, percebi que o Otterley faz vinte anos este mês e pensei nesses anos todos; fiz uma espécie de ‘balanço de vida’ – o que me deixou, o que ficou e o que surgiu. Que sentimentos haviam mudado e em quê eu acredito agora que não acreditava então. Decidi dar duas opções ao destino do Otterley: ou continuar com o blog, mas disciplinar-me para postar com muito mais frequência; ou acabar de vez com ele. O amor à escrita e a adoração a muitos assuntos deste mundo (e dos outros também) me levou à primeira opção e aqui eu fico, porque também renasce-se no caos: que por mais vinte anos.
TS