Porque

Porque

Porque não há mais a impressão plácida nestes momentos silenciosos, deixa que o instante corrido navegue para onde as ondas se esvaem, transformam-se em água de espuma rala, vencidas pelo tempo e pela suas próprias fraquezas.

Talvez mal soubesse dos painéis manchados de giz branco na superfície escura; marcas tão antigas que a água não pode mais apagar. Reescrever a história sem as manchas torna-se impossível, e os espaços deixados nunca estão em harmonia com o que quer ser reescrito. Há esse conflito árduo e cansativo que cega após anos a fio, uma desesperança furtiva que se alastra pelos corredores da memória.

Talvez achasse que, à medida que a vida percorre os caminhos mal traçados, incompletos, que, como indivíduo, deve preencher, as peças encaixar-se-iam como num grande jogo de montar. Não vê maneiras de jogar fora um pedaço de si mesma, como se tais fatos nunca tivessem acontecido. Como se simplesmente nada tivesse sido sentido.

De braços cruzados, passos largos, tenta acertar em cheio as poças d’água no gramado do parque, enquanto os olhos fitam os tênis ensopados, chutando pedras e terra molhada, os cadarços desamarrados pendendo para fora dos sapatos, desajeitada, ofegante. A chuva cai fina, dando ar e trégua à noite seguinte em que sentiu o corpo vacilando, irresponsivo, um torpor aliviado e entristecido com a sensação do deixar de existir, que ela tentara agarrar sem saber se a podia possuir.

TS


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