intenções

intenções

‘não sei o que pode ser diferente’.

a luz se apagou após a frase, e ela continuou sentada na mesa da cozinha.

será que eu consigo passar assim, despercebida? e deixar de ter nas mãos um pouco dessa – ou daquela – sabedoria, que todos dizem – é o que move o mundo? você olha ao redor, e vê um monte de pessoas sentadas, separadas, encarando-se. gritando com o olhar.

eu posso andar distraída pelas avenidas, e posso perceber que a chuva cai sem parar – têm tantas coisas para mandar embora, e é tão difícil escorrê-las apenas pelas mãos. guarda-chuvas, não quero que tudo vá embora, mas não sei fazer a seleção.

eu sempre questiono o que faço. mas essa pode ser a minha impressão, ou essa certeza absoluta de que chegar ao ideal é impossível – e deveria ser tão decepcionante, deveria me deixar completamente magoada, mas ela se senta com as mãos entrelaçadas, olhando o pacote de café em cima da mesa, a luz apagada, e um facho fraco de luz amarela saindo debaixo da porta do quarto vazio.

era como se uma pessoa batesse à porta, imaginasse os gestos lentos atrás dela e, quando a porta estivesse escancarada, não houvesse ninguém ali. a pessoa ficaria imóvel, tentando se recordar dos últimos segundos da sua imaginação – eram mesmo ruídos de chave deslizando dentro da fechadura?

não há esse brilho no olhar, nem um sorriso, nem roupas coloridas e cordão prateado no pescoço. ela está ali, porém – mas ele entra traspassando-a, como se esta fosse um fantasma – agarra um dos maços de cigarro de dentro do pacote sobre a mesa, entra no quarto da luz amarela e tranca a porta atrás de si.

TS


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