café, duas da manhã. bem forte, as bolhas formam estrelas no meio do copo, com o reflexo da luz de metade da lua. a janela traz um vento frio que não estava ali enquanto a água fervia – as nuvens parecem ter entrado pelo décimo sexto andar, escondendo-se dentro da cozinha escura. ela o sente deslizando no pescoço, abraçando-a. fecha os olhos, a lágrima foge, chorando por ela. quer deixar lá fora mais brilhante, a nuvem furtiva.
– vai embora, nuvem.
o espelho não reflete, mas os pêlos do braço ficam eriçados e o coração palpita, como se fosse desistir. involuntário, o corpo estremece, e o café quente desliza pela garganta, não serve para aquecer. mas ele embrulha o estômago e confude os sentidos. é, assim, permanecer de pé vinte e quatro horas. dezesseis para cumprir a convenção, oito para mudar de planeta.
como se cansa rápido das coisas. o copo balança, espatifa-se na mesa, violento, o café se derrama. o escuro se torna pálido, as nuvens se espremem, sufocam, oito horas são mesmo melhores de olhos abertos, estômago embrulhado? o pijama mal-aberto, braços trêmulos, o café quente que não engana o cansaço nem o frio, o gosto que amarga a boca durante dias. a mente finge ser passiva para que o corpo não saia tão ferido.
oito para mudar de planeta.
god knows how I adore life when the wind turns on the shore lies another day I cannot ask for more when the time bell blows my heart and I have scored a better day well, nobody made this war of mine *
duas da manhã, café bem forte. o vento perturba a janela fechada, gritando, impaciente. amargo.
– vai embora, nuvem.
hoje, não.
*mysteries, beth gibbons
TS