Fitas no ventilador

Fitas no ventilador

Pelas palavras engasgadas de cantos empoeirados, memórias cavando em concreto acinzentado, correndo com as frases sob as mãos cerradas, onde os dedos apertam-se com alegria, com falta de atenção, com pavor e com fúria, esbravejando pela imagem das recordações contraditas, como pequenos vinis cujo segundo lado abafa-se num longo riscado, queria não contar mais histórias, porque estas não são mais para serem contadas nem lembradas, doídas nem aprendidas, e são tudo o que existe nestes tantos anos; queria voltar ao instante em que o fôlego era tão mais – ainda mais – destreinado, orações soando sem nexo, sussurros que a tempestade perdia num suplício desimportante, e as letras embaralhavam-se grudadas em uma grande teia, prontas para serem devoradas por um argumento onde a derrota, para o vencedor, nunca é feita de mágoa e de um hiato aflitivo, senão de uma tentativa de ressaltar que há o dia e há a noite, o quente e o frio, o sim e o não, sem nuances que palpitam a cada estação, em cada momento e para cada situação; e que, muito além de desvanecer o sorriso no olhar, destoa o andamento de uma sinfonia já tão desordenada, trovejando, sem saber para quais notas seguir, quando a vibração do piano deixa de descrever um conto em melancolia e cai em lágrimas de um desespero mudo, derrubando os prédios e as suas janelas de cortinas coloridas e construindo fortalezas de pedras e barro, sem portas, sem janelas, embaralhando no pensamento o que deve ser afastado e o que se deve manter bem junto ao corpo; queria que a quietude não tivesse reaprendido a assombrar como outrora fazia, quando não havia a companhia de quem me ensinou a viver tão bem esse absurdo, e foi embora quando fiz o vento bater nas minhas mãos; queria que nada mais fosse dito, pois de relevante quero que baste a maneira como dou os primeiros passos toda manhã. Pois não sei nada melhor do que já é sabido e as palavras soam como fitas de plástico amarradas no ventilador; pois quando explico, abro mais feridas em mim e em quem ouve; porque não consigo mais disfarçar essa perturbação de quem navega por mares sem direção nem vela.

Porque em silêncio, eu sou alguém melhor.

TS


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