Eu sei que ela andava distraída

Garota correndo à noite

Eu sei que ela andava distraída, ela não sabia de nada. Havia um certo timbre alto na cidade, estrondoso, que soava como um leão solitário que rugia procurando pelo seu bando. Não havia muitas pessoas na rua, àquela hora. A madrugada caía rápido, como um véu soprado de um furacão que abalava a cidade no início daquele inverno.

Não se sabia, ainda, qual seria a conclusão daquele dia. O frio aumentava à medida que ela começava a correr avenida abaixo. Por fora, os braços estavam gelados; por dentro ela estava em cólera. Os faróis dos carros por pouco a perdiam, iam focar-se nos portões das casas e nas árvores que beiravam as calçadas.

Dizia-se que, perto daqueles dias, muitos anos atrás, nevara. Quem contava era o avô de uma menina do fim da rua, a que diziam que havia perdido a razão após uma grande tempestade, em que um raio atingira o seu melhor amigo imaginário, matando-o em poucos segundos.

– Não sofreu – ela dizia -, mas eu nunca mais o vi.

Balbuciava palavras de forma confusa, pois a cabeça há muito havia desistido de colocar sentido no que dizia. A tempestade era, para ela, um acontecimento distante e pouco alumiado. Mas há quem diga que ela costuma caminhar com os mesmos sapatos molhados daqueles dias.

TS


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