Vai! Corre, corre!
Ele não respondeu. Permaneceu parado de pé, na calçada. O sinal estava vermelho, os carros estavam todos parados e os motoristas observavam a cena, sem muita curiosidade.
– Vai moleque! Atravessa logo!
Nem deu tempo. O sinal voltou a ficar verde e os carros viraram apenas vultos embaçados.
– Estúpido. Não vai atravessar nunca a avenida – saiu gesticulando e reclamando alto, voltando para a banca de jornal em frente ao cruzamento.
Mais gente parou ao lado do garoto, à espera de um novo sinal vermelho. O homem ainda resmungava alto. Um senhor de terno olhou para trás, irritado com os resmungos.
– Quê que há, cara? – disse o jornaleiro. O moleque aí quer atravessar a rua, faz meia hora que ele tá aí parado!
– Vai ver, ele não sabe atravessar a rua – tentou uma senhora.
O sinal ficou vermelho. O senhor de terno pegou o moleque pela mão, tentando levá-lo para o outro lado da avenida. O moleque deu um salto para trás, desgarrando-se do homem. Mas não esboçou reação nenhuma. Continuou com a mesma feição indiferente que havia adotado desde que chegara no local.
O homem de terno reclamou, xingou o moleque e atravessou correndo a avenida, ao mesmo tempo em que o farol se tornava verde de novo.
Mais gente se aproximou. À medida que as sete horas da noite iam chegando, mais gente aparecia para atravessar a avenida. O jornaleiro saiu decidido da sua banca, furou um caminho entre as pessoas até chegar ao garoto, parado de pé na frente do grupo. Quando o farol se tornou vermelho, a massa toda se dirigiu ao outro lado da rua, menos o garoto.
Empurrado pelo homem, o menino voltava rápido à sua posição inicial. Não se importava, permanecia imóvel olhando para um nada na sua frente.
O jornaleiro enrubesceu. Pegou o moleque pelos braços, chacoalhou-o, aos olhos assustados de mais um grupo que chegava para atravessar a rua. Tentou novamente empurrar o garoto para o outro lado, mas o garoto lutava contra a ação do homem. Os olhos continuavam fixos num único ponto à sua frente, como se houvesse um portão dourado direto para as nuvens ali do outro lado da avenida, prendendo a sua atenção.
O dono da banca deu um grito furioso, esfregou as duas mãos com força dos lados da cabeça. Puxou um 38 da cintura, derrubou o moleque no chão e atirou.
Mais gente se aproximou. À medida que as sete horas da noite iam chegando, mais gente aparecia para atravessar a avenida. O jornaleiro saiu decidido da sua banca, furou um caminho entre as pessoas até chegar ao garoto, parado de pé na frente do grupo. Quando o farol se tornou vermelho, a massa toda se dirigiu ao outro lado da rua, menos o garoto.
Empurrado pelo homem, o menino voltava rápido à sua posição inicial. Não se importava, permanecia imóvel olhando para um nada na sua frente.
Enquanto a massa atravessava a avenida, o homem tentava fazer o menino acompanhá-los de qualquer maneira, em vão. Desistiu por alguns segundos, observando confuso o garoto, tentando entender qual era a sua intenção.
Verde de novo.
De repente, o moleque fechou os olhos e disparou, enfrentando os carros, ao olhar de desespero do jornaleiro.
(foto: akophotography)
TS