A festa

A festa

Entendo que, nesse ponto, sair seria a maior prova do meu receio e, como quero mantê-lo em segredo – ainda que imagine que ele não mais o seja, ou deseje; pois seria, quem sabe, compreendido – apenas me sento no parapeito da janela e espero que as luzes profusas no que deveria ser escuro terminem, vergonhosamente, de ofuscar as estrelas.

Porque amanhã, eu sei, elas têm de se apagar, pois rotacionamos como ratos em gaiolas científicas, rodopiando à procura do nosso queijo, e acordamos de manhã para ir atrás daquele sentido.

Não páro, contanto, de mexer com meus dedos até que eles se cansem – nesse momento, encontrar outra maneira de me distrar seria uma tarefa arriscada, já que o parapeito em questão está vinte andares acima do chão; e não quero parecer, para nenhuma exceção, que meu propósito é o que surge naturalmente no pensamento de quem passeia pela rua – poucas pessoas, de qualquer forma, olhariam para cima, em especial àquela hora, mas tento me esconder entre o parapeito e a parede que separa os dois cômodos, ao mesmo tempo que retraio minhas pernas, para que possa prosseguir com meu cacoete.

A canção foi trocada muitas vezes, mas os acordes parecem ser os mesmos – aqueles que, com uma cadência que embaraça, amarra os ouvidos ao coração, fraqueja até que ninguém mais possa distingui-los, até que os copos caiam no chão, contrastando dramaticamente com a melodia, e o transe simule um sonho há muito tempo perdido, embora não esquecido, até que as pessoas gritem com o tempo, enraivecidas, até que joguem seus braços para cima, como se jogassem toda sua energia para o teto e no mesmo segundo a recuperassem, chacoalhando o corpo, escondendo os pensamentos no ponto mais secreto do cérebro.

Até que elas se cansem. E o dia comece a nascer.

E elas se levantam, soltam as mãos, emudecem e decidem que a hora é de partir. Levando de volta consigo o que desejaram ter perdido, lamentando-se com as luzes que se apagam em melancolia vagarosa, quando poderiam ser, elas, as estrelas – e se de fato fossem, eu não saberia o que fazer.

Como sei que tenho que descer do parapeito, enquanto os raios da manhã pintam o céu de cores que tornam o momento o melhor do dia. Apanhar meus pedaços, juntá-los. E partir também.

sunday rainy morning in the city
you walk down the street
and the pavement won’t fit
your step

you wonder how it would be like
if you were that dream
of the past six or seven years

walking down the same street

TS


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