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Schizophrenia por Eszter Gyory

Encarou. Mas não conseguiu permanecer atirando por muito tempo – como sempre – enquanto desviava o olhar, sentiu os olhos do outro queimando a sua pele, tentando penetrar nos pensamentos, tirando-lhe, pouco a pouco, a capacidade de tomar alguma decisão.

Pensou até em correr, veja só – mesmo rodeada de orgulho e coragem, como dois guarda-costas, fingindo serem eles os seus melhores aliados; correr, estar com medo. Fugir. Sei bem. Pensou por segundos, de qualquer forma, tropeçando no amontoado de pensamentos que rebatiam a idéia de que permanecer ali era, por certo, o mais racional a fazer.

gostaria de saber que os sentimentos claramente antagonistas não vivessem o que parece ser uma eterna batalha sem sentido, obviamente sem vencedores, e acreditar que agentes externos não são necessários para apartar essa disputa, numa região do meu corpo que nem lhes pertence.

pois então eu digo, com um sorriso que beira a ironia e a incredulidade – estamos do mesmo lado! mas quando a alegria vê-se com uma ligeira vantagem, traz consigo um tipo estranho de irracionalidade misturada com loquacidade e ansiedade. e quando a melancolia toma a frente, os pensamentos voam como resultados matemáticos corretos, as palavras saem na hora certa e o colorido das flores são assombrosos novamente. observo o primeiro pingo d’água de uma tempestade tocando, pesada, a cúpula de um guarda-chuva transparente, no meio da cidade – mas me estraçalha o coração e destrói a minha vontade.

outro dia, estava tentando imaginar porque não me dou bem com pessoas. fora o fato de estar muito acostumada a ficar sozinha – por pura preferência, infelizmente – infelizmente porque devo admitir que uma das minhas preocupações mais fortes em relação ao futuro é chegar aos cinqüenta anos e, de repente, sentir genuinamente falta de alguém. sentir falta de estar com alguém. e aí, será tarde, pois após cinqüenta anos sem contatos dessa natureza, perde-se o jeito de vez, eu imagino. pois essa experiência rasa me ensinou que em cinco ou seis anos, ele desaparece. e ainda não o encontrei. pedir desculpas por querer permanecer nessa condição vira uma tarefa mais constante, injusta e embaraçosa do que eu gostaria.

mas acho que não sei bem como lidar com esses jogos de amizade e amor – em especial pelo que chamam de ‘segundas intenções’. é difícil saber como sorrir e como falar tal coisa sem parecer que há algo por trás. algum interesse escondido ou desejo reprimido. bem, eu, pelo menos, acho difícil, especialmente porque sorrir e fazer-se entender é algo muito simples de ser compreendido, a meu ver, e não deveria ser visto de outra forma tão mais complicada. no fim, pela minha pequena experiência em ‘contato humano’, canso-me demais policiando as minhas palavras que acabam mal sendo ditas – exceto quando a alegria toma as rédeas provisórias dos meus dias e as palavras não esperam permissão para sair.

tive uma amiga no colegial que me dizia que eu era muito ingênua no que parecia, na opinião dela, ser um tipo de conhecimento crucial para a vida. dizia que não entendia como eu era capaz de fazer aquelas contas de Física e não conseguia perceber quando alguém estava ‘a fim’ de mim. aquele rapazinho, que sentava lá na frente, e às vezes vinha até o fundo, onde eu sentava, para perguntar como se fazia tal equação. eu explicava com as minhas palavras confusas, ele sorria e voltava para o lugar, e eu sempre achava que o sorriso era um agradecimento à explicação que eu lhe havia dado, e ela me dizia que não. que eu não percebia.

e eu lembro que sempre dizia a ela – ‘talvez eu prefira fazer só as contas de Física’.

(Pintura: Schizophrenia por Eszter Gyory)

TS


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