Uma melodia soava partindo do piano antigo

Bate-se o martelo. Onde foi que esqueceu-se dos livros, dos pedaços de papéis? Todas saem de dentro dela como se a superfície fosse feita de fiapos de algodão-doce. Observa de maneira confusa um grande labirinto de paredes de cores fortes, a céu aberto, onde a chuva pode tocar e pode-se usar toda a imaginação que ela traz. Vê insetos nas paredes, sobre ela mesma, ouve os próprios pensamentos atordoando-a em conselhos, pedidos e ordens em um girar contra os pedaços de si mesma, e pergunta-se como ideias surgiram, com tantos detalhes, com tanta verdade.

Será verdade? As realidades são chamadas ‘realidades’ porque todas elas existem. E se é mais feliz onde certas minúcias estão na claridade do coração que não tem medo de ilusões. Faz-se partir em caixas cada uma das realidades, e coloca-se um aviso colado em cada uma delas: cuidado. E se ela as joga no mar, e guarda as ilusões consigo, como pode ter certeza de que os pensamentos surgem realmente da mente dela?

Às vezes, a sala do fundo do mar era muito grande, com muitos sofás, paredes transparentes que davam para um belo jardim, que estava sempre florido, porque era sempre a primavera das flores. Em um dos cantos, um piano enorme, antigo. À noite – diziam – podia-se ouvir uma melancólica melodia partindo dele, como se ele estivesse contando uma história que presenciou muito tempo atrás. As notas soavam aveludadas e em tons de amarelo, e quem as ouvia, tinha pelo rosto uma ou outra lágrima escorrida.

Às vezes, a sala era pequena, mas aconchegante. Havia um pequeno corredor – do lado direito, um sofá. Do lado esquerdo, o mesmo piano antigo, e havia escadas em duas das paredes opostas, que levavam aos corredores de muitas portas do casarão, onde os muitos quartos ficavam. Ela escolhia uma porta por dia, e o hóspede era o seu próprio sentimento. Uma delas relutava – por que abrir a porta? Podia-se ter algo pior. Uma outra sempre ansiava por abrir uma das portas – quão excitante é o inesperado!

Revezavam-se no piano, cujas certas oitavas rangiam, mas entoavam um som poderoso, ecoando nos quadros das paredes, cheios de olhos de pupilas intrigantes, de tintas contrastantes, e elas cantavam músicas que faziam parte apenas dos seus pedaços, porque é como sabiam cantar. Perdiam-se nas notas, de olhos bem cerrados, deixavam as mãos acariciarem as teclas sem se perderem entre as brancas e as pretas, e a sinfonia entrelaçava-se com os neurônios, como sinapses que ajudavam a levar as notas para outras partes do cérebro, trazendo o sentimento que cada uma delas conseguia sentir.

O que está por trás de todas as ilusões? Uma a uma, disfarçadas de realidade, elas aparecem. E apenas aquele que sabe a sua história poderia aceitá-las, compreendê-las, e deixar que elas fossem embora. Um pingo de tinta escura num papel esbranquiçado, quando poucas cores foram escolhidas pelo pincel, e a atração se vê presente nos traços finos de um fogo ardente, que apenas os próprios passos misturados com pílulas de hortelã podem apagar.

TS


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