Correu, atravessou a avenida, sem nem olhar para trás.
Olhar para trás, para quê; os olhos estão na frente. São pra olhar para frente.
Desdobrei quatro ou cinco vezes o pequeno pedaço de papel que o estranho enfiara na minha mão. Estava em branco. Nem um ‘oi’, um ‘encontre-me em tal lugar, à tal hora’, ou um ‘filha da puta’. Nada. Apenas os riscos azuis da folha de caderno.
Um homem de chapéu veio em minha direção; empurrou-me, reclamou um ‘sai do caminho’. Achei que isso não era mais dito, ‘sai do caminho’. Achei que as pessoas nem falassem mais com os estranhos na rua e achei que ninguém mais usava chapéu.
O farol verde atraiu dezenas de pessoas, arfantes, tentando tirar proveito do pouco tempo para atravessar a avenida. Indecisa, coloquei um pé fora da calçada e, num gesto imbecil, olhei para os dois lados. O resto do meu corpo foi empurrado pelos pedestres atrás de mim; fui levada ao outro lado da rua.
Ele ainda corria.
Resolvi atravessar a rua novamente. Dei meia-volta e corri, aproveitando o farol, ainda verde.
Parei do outro lado. Abri novamente o papel, examinei-o com cuidado. Talvez fosse uma tinta especial. Limão. Eu tinha um isqueiro no meu bolso, de modo que acendi-o e coloquei-o próximo ao papel. Nada aconteceu.
Dei de ombros, guardando o papel no meu bolso.
Achei que deveria me virar, ver o que o estranho estava fazendo; se já havia ido, se havia parado e estava olhando a minha reação. Desisti.
Olhos são para olhar pra frente.
TS