Os pássaros estão molhados

Os pássaros estão molhados

Os pássaros estão molhados. – disse ela, a outra.

Pelo céu não podia-se ver as penas dos animais, mas supôs que os olhos biônicos dela podiam imaginar o que fosse naquele círculo de certezas, de estranhezas frente a todos os sentimentos do mundo. Não era ela que deveria desaparecer. Devia-se encontrar uma maneira de conviverem juntas, porque ela trazia magia demais para a vida para ser desprezada para sempre.

Acordou nas nuvens e os passos no espelho não lhe disseram o que iria fazer até então. Uma corda puxada por um triste, ressoando palavras de esperança e cansaço, enquanto corria nos campos, recém saída de cantos, em fúria, deixando os espaços avermelhados e passando logo aos arroxeados, sem escalas, acalmando-se, e olhava para trás e via os azuis e esverdeados chamarem-na apenas para checar se ela estava pronta.

Não estava – pensava. Mas o fato de ter conseguido passar direto pelos portais do pensamento, com suas estranhezas e defeitos, com sua sabedoria falha e sua feição monstruosa, a fez perceber que talvez devesse voltar e passar novamente pelos amarelos e alaranjados da vida. Não havia mais espaço para aquelas esquisitices, pensou, mas talvez conseguisse voltar se pensasse com cuidado nos acontecimentos dos últimos meses. Estaria pronta? Ela não sabia. De qualquer forma, saindo dos espaços arroxeados, tão bonitos, vendo de relance os rosados, cheios de flores e árvores-chorão, não conseguia pensar que algo que não a atraía poderia lhe acontecer. Sua mente não deixava, apesar de não saber quais caminhos ela deveria seguir. Assegurou-se num repente de que os pensamentos iriam ser sempre flores nos locais mais espinhosos. Afirmou que não queria novamente a tinta carmesim nas mãos, e que portanto não a teria. Sabia que a tempestade iria cair novamente, porque ela sempre cede nestes momentos de metamorfose, onde vai embora a casca dura e vêm as lindas cores que brilham com a chuva.

– Os pássaros estão molhados. – disse a outra.

TS


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