O verão em Antaica

O verão em Antaica (foto por Mike Koenig)

O verão em Antaica não era daquelas estações demasiadamente quentes; de fato, eram agradáveis – pareciam disfarçados de outono, como se ele exigisse um tempo a mais para mostrar a beleza das folhas ocre que teimavam em cair no chão -; de modo que, às dez da manhã, colocou todos os sanduíches de geleia na cesta, apertou a tampa das garrafas e chamou as crianças para descerem até a praia.

Ia caminhando pela rua de vestido esvoaçante, com a cesta em um dos braços. Não eram mais as mesmas, as pessoas. É importante que não sejam, que ninguém espere que permaneçam-se os mesmos trejeitos, os mesmos sonhos. Os cães do vizinho ladravam para um gato furtivo e, na esquina, ouvia-se o piano do senhor de cabelos vermelhos, aquele que diziam esconder um anjo no sótão, tão bonitas eram as sinfonias que tocava por dias sem cessar. Sua pátria estava no além-mar, e era lá que ele achava ter deixado seu amor. Na verdade, ainda tocava canções tão belas no instrumento, e quem passava pela rua, era tocado por esse amor do homem dos cabelos vermelhos.

Sentou-se na areia morna com o livro sobre os joelhos. O olhar de uma moça a alguns passos à sua direita se perdiam nas ondas, como se ela esperasse que um grande navio aportasse aos seus pés, com grandes notícias, para que então ela pudesse correr para o mar e molhar os cabelos. Raios de sol ainda apareciam entre as nuvens que se aglomeravam, numa triste tentativa de escondê-lo, e a brisa deleitosa trazia o perfume do mar.

“Não sei o que espera o amanhã”. Como baralhos e pedras jogados sobre a toalha vermelha rendada na mesa circular, com palavras que surgem de intrincados valores que há muito deixaram de esperar o inevitável – aparece-se no topo de uma montanha com centenas de bandeiras de todas as cores, com estilhaços por todo o chão, e se é senhor do próprio destino, quando a música que toca ainda é tão dissonante.

“Que o vento sopre com força suficiente para retirar as pétalas de dentro do cesto, para que elas voem em todas as direções que a brisa permite”. Pensou alto, como se estivesse fazendo um pedido a uma estrela cadente, chamando a atenção da pessoa ao seu lado. Sentida por ter quebrado os devaneios da moça, sorriu com os olhos, perdão, e pediu às crianças que não fossem muito para dentro do mar – “até as canelas!” – estavam felizes, procurando conchas.

Enquanto deslizava os olhos pelas letras nas páginas, tinha o jantar daquela noite no pensamento. “Como podem estar Pedro e Mariana?” Haviam saído de Antaica há mais de dez anos e viveram tanto tempo na cidade grande, ainda teriam entusiasmo pelas histórias do lugarzinho costeiro?”

E as de Antaica eram tão bonitas, as histórias, como a do ancião que passou dois verões criando asas nas costas e, no dia do enterro de quem ele havia amado e permanecido junto uma vida toda, saíra voando da janela do segundo andar da sua casa. Quando voltara, muitos verões depois, estava tão maravilhado com o que vira nesta terra que pediu que nunca fosse embora – ele viveu mais duzentos e trinta anos, diziam, e partiu quando percebeu que há certa quantidade de verões para todos nós.

TS


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