Não há distância que a separe do que sente quando percebe a luz batendo nas árvores após um período de chuva.
De longe, sentada no parapeito largo da janela do prédio de quatro andares, enxerga as estrelas nas árvores e as crianças brincando sob elas; uma gritaria contente, correria, balanços. “Não corre, menino!” – mãe esbraveja, como se conseguisse-se fazer a criança ficar quieta.
“Como me acostumar com esse sentimento que passeia pelos corredores delgados do meu cérebro para que ele torne os dias mais belos?”
Quando criança, gostava do labirinto. Havia uma colossal árvore chorão ao lado do brinquedo comprido, de forma que sua missão era ultrapassar o labirinto para cumprimentar as folhas do chorão, pedindo sua permissão para poder subir na árvore alta, frondosa. Era uma brincadeira solitária – não era de conseguir fazer muitos amigos, porque tinha outros interesses, e lidava com assuntos diferentes dos quais os coleguinhas comumente lidavam. Então foi essa a sua infância: o labirinto, a missão, o chorão. Permissão delegada, o subir na árvore, esconder-se.
Na janela, livro sobre as coxas, chá adocicado em uma caneca. Os óculos de haste quebrada, que caíam do rosto a todo o momento, e uma história contada em terceira pessoa sobre o mundo da sociedade burguesa onde o ato de sentir acontece de forma solitária, e todos têm seus medos e arrogâncias.
Não percebeu o momento em que seus olhos pousaram na senhora sentada em um dos bancos da praça, mas começa a observá-la e sua mente registra tudo o que ela faz.
As duas mãos pousavam em uma bengala firme de madeira, de ponta curvada, e ela tinha os cabelos curtos, de uma cor vermelha-escura. Vestia uma calça jeans azul-escura e uma camisa branca com detalhes em roxo. Uma sacola bege pousava ao seu lado, junto com sacolas de plástico de supermercado. Às vezes uma das mãos passava sob os olhos. Parecia limpar uma lágrima. Não deixava que elas rolassem pelo rosto – talvez não quisesse que a vissem chorando. Talvez tenha passado pela situação de estar em pranto silencioso, enquanto que as pessoas ao seu lado, embora tivessem percebido, nada fizeram. Às vezes precisa-se de um gesto que consola.
Algumas pessoas não sabem lidar com prantos alheios fora de hora porque, como não têm motivos para chorar naquele momento, não compreendem como alguém pode tê-los, e os caminhos do coração não estão preparados para atender tal demanda. É como se estivessem preparados para assistir um filme de comédia e, ao invés dele, um filme dramático inicia. As pessoas compraram pipocas, refrigerantes e chocolates para rirem, esbaldando-se, mas quando o filme de drama começa, ninguém sabe o que fazer com todas aquelas guloseimas.
Ou talvez a senhora não quisesse que as crianças a vissem. “Mas crianças”, pensou, “precisam aprender a lidar com todos os sentimentos e emoções”. Para saberem lidar com quaisquer tipos de filmes no futuro, dos outros ou delas mesmas.
Havia um canteiro de flores próximo ao prédio, com flores amarelas e vermelhas de vários tons. Em volta do canteiro, ladrilhos avermelhados que desciam o muro. Viu uma garotinha procurando algo dentro do canteiro. Agarrou uma flor amarela, arrancou-a com cuidado, segurando o pequeno caule da flor usando as duas mãozinhas. Correu em direção à senhora da bengala e ternamente ofereceu-lhe a flor. Assim que a senhora a pegou das mãos da menina, em um sorriso, a pequenina saiu correndo para voltar às brincadeiras. A mulher colocou a bengala encostada no banco e, de dentro da sacola bege, pegou o que parecia ser um livro ou caderno; abriu-o, colocou a flor no seu interior e o fechou. Demorou-se um pouco observando as crianças, mas o pranto cessara. Por fim, levantou-se com certa dificuldade e deixou o parque, indo em direção à rua transversal do prédio.
Pensava no futuro. Não era de muitas interações, não sabia como interagir. Entristecia-se por isso. Às vezes imaginava-se sentada no sofá da sala, no escuro, no meio da madrugada, após um período de insônia. Não tinha irmãos, os pais teriam-se ido. Não sentia haver mais ninguém. Caso fosse mudar algo, precisava ser agora. Porque ansiava ter uma daquelas amizades que duram muitos anos, onde as pessoas entendem-se pelo sentir, por certa energia que emana do coração.
A noite ia caindo. As mães seguravam as crianças pela mão para deixarem a praça, que começava a ficar vazia. Tomou um pouco do chá, que já estava frio com o vento vindo da janela. Suas pernas e braços, nus, também estavam gelados. Ouviu o vizinho tocando seu violoncelo. Dessa vez não era Brahms, mas não reconheceu a canção.
Ele tocava todas as noites, e ela podia perceber o seu estado de humor através das canções. Hoje estava alegre. Poderia ser Mozart, uma daquelas suas sinfonias de primavera. Não passavam de um cumprimento cordial, mas ela sentia que o conhecia. Sentou-se no sofá para estar mais perto da parede que separava os dois apartamentos, para apreciar a música, e recomeçou a leitura do livro.
Hoje o vizinho tocava as notas com paixão; as notas eram mais agudas e a canção era muito melodiosa. Alegrou-se também, por saber que o vizinho parecia estar contente. Talvez tivesse recebido boa notícia. A garota de quem gostava poderia ter começado a conversar mais com ele. Talvez tivesse havido um beijo. Ele podia ter criado borboletas no estômago. Suas mãos haviam criado asas.
A canção continuava com o mesmo estado, e refletiu como pode não ser o cérebro o tradutor das canções para o nosso ser; talvez seja o coração. Ou não o coração em si, talvez o chakra cardíaco. Ou o coronário, no topo da cabeça. É algo belo demais para ser traduzido através do cérebro, apenas. Música é algo do espírito.
Fechou o livro. Adormeceu.
No sonho ouvia a música que o vizinho estava tocando, mas era ela quem tocava o violoncelo, dentro de um lago cristalino. As mãos, os cabelos e o vestido esbranquiçado dançavam com suavidade, e as mãos sabiam para onde ir ainda que não fosse musicista. Segurava o arco com firmeza e passava-o nas cordas com vigor, mas delicadeza; com os dedos, apertava as cordas com força, usando gestos graciosos. A música soava harmoniosa, um sopro leve nos ouvidos de quem a escutava.
De manhã, o sol bateu no seu rosto, despertando-a. Preparou um chá e foi pegar o jornal do lado de fora do apartamento, caído no chão, na frente da porta. Sobre ele havia uma flor amarela e um cartão. Dentro do cartão, os dizeres: “eu te ouvi”.
TS