Dançando valsa

Dançando valsa

Ainda olha o retrato e sente-se deslocada – incomodada, olhos aveludados distorcendo as imagens. Sabe que as esferas peroladas impressas no papel fotográfico corroído pelo tempo gostariam de ter êxito em enganá-la.

Duas figuras em um momento especial, cheio de contradições – baixo e alto, feliz e assustado, frio e quente. Abraçados, frente à árvore cujas folhas choram – e tentam crescer.

Sobre a boca carmesim em meio-sorriso, olhinhos ordinários dizendo palavras, como nota por nota o piano grita.

De mãos dadas, os dedos tentam se desvencilhar, rosados, seguros pela outra mão rígida, igualmente avermelhada, engolindo a sua menor.

O corpo projeta-se ligeiramente para o lado oposto ao parceiro da foto, enquanto este a segue, tentando se aproximar.

O poder de desfazer-se de tudo é dela – mas, por um momento, não o quer. Receia não saber da sua própria capacidade de selecionar lembranças, sob o risco de transformar tudo em um jogo de roleta-russa – uma só bala no tambor.

Estica o braço sobre a mesa bagunçada, procurando o isqueiro. Posiciona-o sob a ponta inferior do retrato, acendendo-o. A fotografia queima rápido, figuras distorcendo-se com o calor, e as feições demoram a mudar.

Em minutos, ela observa o plástico contorcido, escuro, jogado no chão. Vagarosamente, os olhos enchem-se de lágrimas. Ela se encolhe, abraçando-se às pernas, tentando desaparecer.

Uma só bala no tambor – e é a que a acerta primeiro.

TS


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