Sai debaixo da cobertura que a protegia da chuva forte de outono. Há trovões por todos os lados, os clarões iluminam a noite, e seria cruel pensar que tentam fazer o papel das estrelas, gigantes arcaicas, testemunhas caladas, oniscientes e indiferentes à movimentação das ruas encharcadas de São Paulo.
A passos curtos, enquanto correm pelos seus lados, com guarda-chuvas e jornais sobre a cabeça, as gravatas balançando com o agitar do corpo tentando fugir, sapatos de salto alto vacilando nas calçadas, olha para a frente, com a expressão de quem não vê os caminhos com clareza, apertando os olhos, contraindo as sobrancelhas. Os faróis não sinalizam para ela, e as longas colunas de carros vão se perdendo com a enxurrada e a neblina que o temporal forma.
Por vezes, os dedos percorrem o rosto procurando livrar a armação dos óculos de uma eventual queda, o frio pelas gotas geladas que caem sobre os ombros é minimamente ofuscado pela sensação angustiante do não enxergar, do viver um momento que parece ser eterno, e há até mesmo gritos dos que têm medo da tempestade, quando, ruidoso, um trovão surge, cortando o som das portas das lojas sendo arrastadas para baixo, da própria chuva batendo com força no chão.
E como tempestade que é, enegrece e turva os olhos, enquanto relâmpagos confundem a impressão de realidade que o cérebro insiste em tentar manter. Não há por que ter pressa. Não há, absolutamente, mas até que a frase se incorpore na sua maneira de viver, verdadeiramente, ela começa a correr.
Como sabemos quando os hábitos se tornarão lembranças? Entender a certeza que existe nessa frase é, sozinha, uma razão para sorrir.
TS